Quando a superação tem endereço e nome
A superação tem endereço certo: Rua Ponta Russa, número 440. Nessa casa simples, no Bairro Águas Claras, mora Dealtina Gelatti Sbardelatti. Uma senhora de 84 anos de idade, sem as duas pernas, mas que carrega consigo algo cativante: o enorme sorriso estampado na face. Um problema de saúde fez com que ela tivesse uma perna amputada há 13 anos. Há dois anos e meio que precisou fazer o mesmo com a outra.
Dealtina poderia simplesmente reclamar da vida. Poderia dizer que os braços doem, afinal, eles cumprem a função das pernas, já que ela não utiliza cadeira de rodas e se arrasta pela casa adaptada. Alguns minutos ao lado dela já são suficientes para a lição: se com toda essa dificuldade ela tem a alegria de viver, afinal, por que reclamamos tanto?
Ela já havia sido operada da coluna por duas vezes. Quando descobriu o problema de má circulação no sangue, precisou amputar a primeira perna. Enquanto se recuperava no hospital, a família buscou, rapidamente, começar a adaptação no lar de Dealtina, que mora sozinha e, assim, desejava continuar. Primeiro tinha meu marido, mas me acostumei a ficar sozinha. Eu prefiro ficar sozinha, não incomodo ninguém e ninguém me incomoda, fala entre sorrisos.
Uma rápida olhada pela casa e é possível ver as mudanças. Na cozinha, a pia e o fogão foram instalados a poucos centímetros do chão. Dentro da geladeira, os itens ficam na última prateleira. No quarto, a cama deu espaço para um colchão no chão. Já o banheiro foi levado para lá, com intuito de facilitar para ela. A preocupação em facilitar ao máximo sua vida fez com que os filhos instalassem o vaso sanitário em uma posição curiosa e anormal a muitos: ele está enterrado e a abertura fica paralela ao chão.
Eu e meu irmão, hoje ele é falecido, fizemos isso. Fizemos a pia, o banheiro e desmanchamos a cama. Ela até ficou seis meses comigo para começar a acostumar, mas logo quis vir embora, relembra Marli, filha de Dealtina. Hoje, ela fica a maior parte do tempo em casa e os filhos quiserem fazer dela confortável e de fácil acesso.
Apesar de morar sozinha, sempre tem alguém passando para dar uma olhadinha em Tina, como eles a chamam. A vizinha Odete Voltoline é uma delas e está sempre por ali, levando docinhos e um pouco de conversa. Às vezes, me lembro dela, da situação que vive e dou uma escapada. Uma sopinha, alguma coisinha. Mas ela é muito boa pra gente. Eu moro logo ali e não custa atravessar e dar uma olhadinha nela. De vez em quando bato um papo com ela, conta a vizinha e amiga.
A rotina de Dealtina incia bem cedo: vai para cozinha, toma café e já começa a limpeza por ali mesmo. Faz o almoço e, logo depois, vai descansar um pouco à tarde. Algo que, diz ela, é rapidinho e logo levanta. Afinal, não gosta de dormir muito. Hoje, eu fiquei até 8h30min na cama, mas acordada, rezando. Sabe como é, né? Gente velha gosta de rezar. E assim eu vou passando, conta, novamente entre risos.
Para o neto Bruno Ristow (20), a avó é um exemplo. Ele mora perto e está sempre passando para saber como ela está e, até mesmo, ajudar com o almoço. Eu tenho ela como exemplo de vida. Às vezes, a gente está numa situação difícil e eu lembro dela. Sem as duas pernas, bem pior do que eu e eu reclamando de coisas nada a ver. Um exemplo de vida.
E o sorriso no rosto Dealtina afirma. Com a graça de Deus passei e estou contente. Mas tem outros que não. Se matam, gritam, choram. Fazer mal para mim mesmo porque? Eu nunca digo que está ruim, sempre digo que está bom, finaliza.
OUÇA A MATÉRIA